segunda-feira, 30 de junho de 2014

As "desconhecidas" Artes Marciais Filipinas - VI

QUEM PODE PRATICAR KALI... E OUTROS ASSUNTOS


Considerando que o aprendizado se baseia no uso de armas, não exigindo grandes dotes de força, nem a condição física de um triatleta, nem a juventude como requisito essencial para “aguentar” o treinamento, nem categorias de peso, nem dietas rigorosas, pode-se afirmar com tranquilidade que praticamente todas as pessoas podem aprender e praticar o Kali, se desenvolvendo plenamente e aproveitando os benefícios da arte, desde que não sofra de limitação física capaz de inibir drástica ou totalmente a mobilidade. A arte é feita para a vida, para a vida comum, para a pessoa comum, a qual, na medida em que se desenvolve, vai se tornando em alguém com habilidades incomuns.

É óbvio que alguma capacidade aeróbica é desejável mas isso, bem como a força, se desenvolve com o próprio treinamento. A mecânica inerente a cada exercício ajuda a melhorar a capacidade muscular funcional, o que é muito bom para quem sente dificuldades para executar certos movimentos no dia a dia. Vale acrescentar, sobre a movimentação, que o Kali trabalha intensa e fundamentalmente a bilateralidade corporal. Exemplo disso são as técnicas denominadas “sinawalli” [“entrelaçamento”], que o estudante aprende com bastões em ambas as mãos e, com a prática, adquire segurança, habilidade e fluência também com outras armas. O Kali proporciona também uma considerável melhoria na percepção espacial, na educação das respostas baseadas em reflexos (transformando-as em atos conscientemente dirigidos), enfim, no aprimoramento da consciência corporal como um todo. Em boa parte, esses benefícios estão intimamente ligados ao fato de que o Kali se aprende, inicialmente, com armas. Afinal, como costumamos repetir, alguém pode se dar ao “luxo” de ser atingido por um soco, ou um chute, ainda que esses machuquem muito, mas ser atingido por um objeto contundente ou por uma lâmina é completamente diferente. Assim, tirar o condicionamento das respostas reflexas naturais e desenvolver outras, mais conscientes e mais ricas em possibilidades, bem como reconstruir a percepção natural de espaço e distância, são benefícios que o estudante encontra na prática do Kali. Além disso, contribui para melhorar o controle e a estabilidade emocional, dentre outros aspectos. Acrescente-se a isso o fato de toda a movimentação, tanto os deslocamentos, quanto a execução de técnicas, ser obediente a padrões geométricos bastante exatos, o que ensina ao praticante o mover-se com eficiência, leveza, graça e precisão, aprendizado que é muito útil no dia a dia, contribuindo para aumentar a segurança e para reduzir a “propensão para acidentes” de que muitos padecem, ajudando o indivíduo a ser, como é comum dizer, “menos estabanado”. O estudante de Kali passa a interagir melhor com o espaço ao seu redor…

Seguindo adiante, respondamos a algumas questões [dentre inúmeras] que talvez possam surgir em sua mente, amigo leitor:


Por que praticar uma Arte Marcial Filipina?

Porque faz bem, porque é agradável, porque é diferente, porque é relativamente leve, porque é divertido e, acima disso, porque é útil, muito útil por sinal. O Kali pode salvar sua vida, não “virtualmente”, como outras artes marciais prometem mas, de fato, pode fazer a diferença entre a vida e a morte numa situação extrema. Como afirmado ao longo de nossas postagens, trata-se de uma verdadeira arte de combate, o que ressalta sua utilidade diante da necessidade de sobrevivência e de preservação da própria integridade, nestes tempos marcados por crescente agressividade e violências sem sentido. Mas isso não significa que sua prática seja brutal, arriscada, ou regada a contusões e outras lesões. Nem significa que você será “transformado” em algum tipo de “matador” ou “ninja assassino”, com o perdão das expressões. Pelo contrário, o aprendizado é dos mais tranquilos e a prática é das que mais seguras que existem, além de que o estudante tende a se firmar como pessoa mais pacífica, uma vez que se torna mais consciente do próprio potencial e da crescente capacidade de autoproteção.

Diante desta explicação, pode se tornar difícil imaginar que seja, como acima dito, divertido treinar Kali. A realidade, porém é esta: poucos ambientes onde se pratica artes marciais são tão leves, descontraídos e alegres quanto os círculos do Kali. Predominam a receptividade, a confiança, a união e o bom humor..., mesmo em dias de treino intenso. Em boa parcela, o clima ameno e fraterno se deve à natureza da arte, que não é voltada para a competitividade arraigada, que não pretende formar “campeões”, que não se preocupa com disputas do tipo “ganhar ou perder” para provar posições fugazes e inconsistentes diante dos outros. Não se reserva espaço para o egocentrismo banal, nem para a autoafirmação insensata, nem para quem busque, num círculo de Kali, “descarregar” frustrações, raivas, ódios e outros venenos do espírito. Os grupos de Kali, e suas respectivas vertentes são feitos para o desenvolvimento humano em sua harmonia e equilíbrio. Nossa Grande Arte carrega uma grande responsabilidade pois se origina da guerra. Logo, está intimamente comprometida com a vida, com a preservação e com a plenitude desta. Por isso, não comporta mentalidades turvadas por rancores, ódios, preconceitos e outras misérias da alma. O Kali representa o espírito guerreiro de todos os que amam a vida e buscam a felicidade. Assim, a alegria está na essência da arte...


Praticar Kali emagrece?

Se disséssemos simplesmente que “sim, emagrece” não estaríamos sendo honestos com quem deseja exercícios para queimar gordura, mas não temos dúvidas de que muita gente iria querer aprender só por esse motivo. Ora, nem por questões de marketing afirmaríamos tal coisa, pois não é verdade, assim como não é verdade dizer que sim em relação APENAS a quaisquer exercícios que prometem uma silhueta "fininha", sem um método e uma disciplina que torne isso uma realidade. É claro que uma arte marcial ajuda, como a ginástica numa academia ajuda. Ou seja, a prática persistente e sistemática, aliada a dietas adequadas, orientação profissional e disciplina de hábitos, é que realmente faz emagrecer de maneira saudável. Certamente, os exercícios do Kali [aeróbicos por excelência] podem dar uma mãozinha, com a vantagem de se aprender uma arte marcial que funciona plenamente para a vida toda, além do que, por desenvolver a disciplina e a excelência das aptidões individuais, o Kali acaba contribuindo num ponto importantíssimo quando o assunto é emagrecer, que é o fortalecimento da vontade! Mas a resposta final ainda é: sozinho não emagrece.

Uma coisa curiosa, e que merece ser dita, é que muitos praticantes de Kali comportam uns “quilinhos a mais” no corpo. Aliás, não faltam instrutores e mestres com estas características no mundo do Kali [se você procurar na Internet vai encontrar com facilidade]. Mas, não se engane pensando que eles podem padecer de agilidade, força, fôlego, ou saúde, pois o treinamento desenvolve movimentação harmoniosa, leve, rápida e ágil, além de excelente condição de saúde, sejam quais forem as características físicas individuais.


Existe algum sistema de graduação? Como funciona?

No Kali, a exemplo das outras artes marciais, existem “graduações” que servem pra indicar o progresso do estudante, assinalando a competência adquirida no aprendizado. A graduação é conferida pelo Professor ou pelo Mestre como função natural, a partir da observação continuada. O aluno é avaliado sempre, em cada treino, como entidade técnica e noutros aspectos, de natureza moral e de convivência com os demais. Há de se saber a técnica, mas há de ser boa pessoa. Vale assinalar que no Kali a graduação assinala a caminhada do estudante e não, como muitas mentalidades diminutas pretendem, qualquer tipo de “superioridade” ilusória, a que tantos se apegam, na esperança vã de se sentirem melhores em face das próprias frustrações ou de uma baixa autoestima. Nada disso. Os graus representam o quanto se caminhou e a responsabilidade inerente aos passos dados. São, também, incentivos para o futuro, convidando o estudante a continuar aprendendo...

Quanto ao formato dos “graus” em si, esses são denominados e simbolizados de acordo com o critério de cada Escola; algumas adotam o sistema de faixas e cores, herdado das artes marciais japonesas e muito familiar no ocidente; outras adotam designações e títulos tradicionais que, aliás, têm muitas nomenclaturas, conforme a região donde se originaram, adotando ou não símbolos, como cores no uniforme, etc.

O tempo rege a evolução de todas as coisas. Nas artes marciais em geral conjuga-se tempo de treinamento e metas curriculares para conceder-se ao aprendiz a oportunidade de ser avaliado e “progredido”. Todavia, ao que parece, existe uma inclinação geral, se assim podemos dizer, das Escolas de Artes Marciais Filipinas se orientarem mais por metas alcançadas que por tempo de treinamento, podendo ainda conjugar ambos os critérios, para que o estudante possa receber uma nova graduação. O progresso depende de você apenas. Logo, se conseguir cumprir satisfatoriamente os requisitos técnicos exigidos, você pode almejar... Fica fácil concluir que o Kali exige do estudante um bom conhecimento das próprias capacidades, limites e boas doses de realismo e honestidade para consigo mesmo.

Afirmamos acima que importa mais atingir o aprendizado efetivo que o tempo de treinamento para alcançar "graduações" no Kali. De maneira alguma isso significa que, numa eventual avaliação, o simples fato de o aluno apresentar com APARENTE perfeição as técnicas que lhe cabe conhecer lhe garantirá o grau almejado. Não, o aluno deverá mostrar, em cada oportunidade de treino formal, que realmente assimilou o que lhe foi ensinado. O Kali, sendo uma arte guerreira por excelência, cuja filosofia e prática se pauta no binômio extremo (vida ou morte), não admite que alguém “finja aprendizado”. Afinal, se tiver que enfrentar um conflito real, você pode ter o desgosto de dar prova de que nada aprendeu, simplesmente morrendo… Por isso, se você pretende estudar Artes Marciais Filipinas, tire da cabeça o ilusório status que uma graduação lhe pode conferir e preocupe-se em aprender, em tornar cada técnica parte de sua própria natureza, a fim de que elas fluam e se manifestem tão facilmente como respirar…


Existem torneios e competições? Eles fazem parte do currículo?

Isto também representa uma enorme variável no universo das FMA, pois há Escolas que valorizam as competições visando promover aspectos esportivos da arte, enquanto outras Escolas não consideram a competitividade como aspecto relevante. Ambas as perspectivas são igualmente válidas e amplamente discutíveis. Particularmente, consideramos que a natureza do Kali não é desportiva, motivo pelo qual não incentivamos tais atividades, pelo que, caro leitor, você [que talvez possa ser um entusiasta dos torneios de artes marciais] se pergunte qual seria razão. A resposta está ligada a alguns fatores simples, o primeiro deles histórico: o Kali é nascido da guerra, logo é uma arte voltada para situações reais de confronto. Outro motivo é que, para moldar-se a limitações e regras desportivas, uma arte marcial deve necessariamente se despir de algumas de suas características mais importantes, como ocorreu por exemplo com o Taekwon-do e o Karate-do, a fim de que pudessem ser admitidos como esportes olímpicos. Acreditamos que tais adaptações esportivas, ao suprimirem técnicas e com isso a liberdade de ação do “competidor”, com o tempo acabam por determinar para ao praticante novos condicionamentos que se podem consolidar em restrições inconscientes no campo da ação. Limitações perigosas, que poderão ser muito prejudiciais e até fatais caso a arte tenha que ser invocada numa situação hostil de verdade. Ora, não cremos que seja adequado condicionar uma arte baseada na ideia de sobrevivência a comportamentos que acabarão por restringir as capacidades do aluno, conduzindo-o a deixar de ser um artista marcial, com pleno conhecimento de uma arte íntegra e integral, para se tornar alguém que tenha como foco de treinamento apenas determinadas técnicas desportivamente admitidas. 

Cabe, contudo, esclarecer que sim, costumamos promover lutas em nossos círculos de treinamento. Nunca para “provar” uma falsa, tola e imatura ideia de superioridade individual mas, essencialmente, para aprimorar a habilidade pessoal, para aplicar as técnicas aprendidas e estudadas, para desenvolver agilidade, para aprimorar os reflexos e a coordenação motora, para melhorar e beneficiar a condição física e aeróbica dos estudantes, para adestrar a mente e o corpo ao enfrentamento de tensões e para refinar a capacidade de tomar decisões em qualquer contexto. Enfim, a luta serve para ajudar no desenvolvimento global, inclusive no campo interno, o das Virtudes, pois nos “combates” o estudante pode conhecer melhor a si mesmo, identificando as próprias deficiências, aprendendo a superá-las, incorporando assim a humildade, o discernimento, a segurança, a paciência, a tolerância e a perseverança, tão necessárias ao enfrentamento das situações comuns à vida cotidiana. Ainda, cabe dizer que nossos “confrontos” são realizados com uso de equipamentos de proteção individual [EPI], sobretudo óculos e armamento adequado [bastões espumados, facas de material emborrachado ou espuma densa, luvas, etc]. Pode lutar sem susto, caro leitor!

No âmbito da AMK (Associação Mineira de Kali, ancestral do K1307), ressaltamos, as práticas combativas permanecem voltadas exclusivamente para o aprimoramento geral dos estudantes. Nessas ocasiões que cada qual pode aplicar os conhecimentos adquiridos, perceber suas próprias dificuldades, corrigir falhas e “testar” as próprias habilidades, exercitando seu “espírito guerreiro” num clima saudável e descontraído, onde predomina a amizade.

Kali MG - treinamento combate faca

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Nessas lutas, durante os treinamentos, existe distinção em categorias individuais?

Pode ser que haja distinção, se considerarmos as diversas Escolas. Nos círculos do K1307 não praticamos qualquer discriminação no tocante a combates armados, sendo a única exceção aquela que diz respeito às crianças que, pela própria condição demandam cuidados adicionais, especialmente quanto ao uso de armas, até certa idade restrito aos bastões, por serem estes instrumentos indispensáveis aos aspectos pedagógicos do Kali. No mais, homens, mulheres, jovens e idosos, combatem em condição idêntica, sem separação em categorias, prevalecendo o princípio de adaptação das próprias características às do oponente, mesmo porque o Kali, sendo voltado para atender a situações reais, não se atém à crença ilusória de alguém possa se dar ao luxo de escolher adversários. O amigo leitor, caso venha a se tornar um estudante, ficará surpreso ao constatar como a lógica da condição física superior pode ser facilmente contrariada, inibida, anulada e destruída nos combates.
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Crianças, adolescentes, idosos e a prática do Kali. Como ficam?

Esclarecendo um pouco mais, falemos sobre os mais jovens, especialmente as crianças. Afirmamos acima que os pequenos treinam e podem participar das lutas com restrição de armamento (limitado ao bastão) entre os sete e os dez anos, e cuidados especiais. Esses cuidados não dizem apenas respeito à luta em si, mas principalmente à educação baseada na atividade, quais sejam, ao uso construtivo da abundante energia de que são dotados, à canalização da agressividade natural, ao respeito devido aos pais e aos semelhantes, à disciplina consciente nos afazeres, ao senso de cumprimento dos próprios deveres [especialmente os escolares!], ao senso de colaboração, ao desenvolvimento das habilidades físicas, ao controle emocional, ao estímulo de soluções criativas para situações diversas e adversas com tranquilidade, boa disposição e equilíbrio. Esse último ponto é muito interessante [e até divertido durante os treinos] e se mostra muito claro quando é dada à criança a oportunidade de “enfrentar” os colegas adultos, que naturalmente transformam seus “ataques” em estímulos para os pequenos lutadores os quais, em sua expectativa agitada, aprendem a lidar com “desafios”, muitas vezes vistos pela perspectiva infantil como difíceis ou de solução impossível. A cada “ameaça” defendida pela criança com esquivas, movimentos, bloqueios, etc, a comemoração, a torcida e os aplausos são inevitáveis, sendo ao final coroado com as observações, correções e respostas do instrutor às muitas perguntas que cada pequenino despeja aos montes, desejando saber como foi o desempenho na luta. Ao longo do tempo a nota mais marcante neste aspecto tem sido a melhoria da comunicação, do entendimento, da disciplina e da aproximação, especialmente entre pais e filhos que treinam juntos, o que temos tido o privilégio e a grata satisfação de testemunhar no decorrer das atividades. A criança se sente integrada e valorizada pela prática do Kali.

E quanto aos idosos? Conforme dissemos alhures, o princípio da adaptabilidade prevalece na prática do Kali, o que permite que o aluno, mesmo se achando “enferrujado”, desenvolva sua técnica com tranquilidade e indiscutível eficiência, o que é muito fácil de se ver nos “combates”. Temos visto inúmeras vezes a habilidade, as virtudes e a experiência [adquiridas ao longo da vida], aliados ao domínio da técnica, suplantar com grandes vantagens a “força dos mais jovens”, sem falar na melhoria da capacidade física e mental, da agilidade, do equilíbrio, do sentimento de segurança, da vitalidade e da boa disposição que vemos despontar, empolgando os colegas da terceira idade durante os treinos. Parece brincadeira, mas não é: no contexto do Kali, aquela conhecida figura do velhinho “armado” com uma bengala se torna pura realidade..., muito eficaz e até letal, diga-se de passagem. O Kali mostra ao indivíduo que ele tem qualidades que não se perdem sob o fluxo do tempo, o que desperta o ânimo e a alegria de viver.













Como é considerada a ideia de combate, tão referida no Kali?

Ao contrário do que se pode imaginar ingênua e romanticamente, a ideia de combate não comporta exatamente uma disputa ou medição de forças mas, antes de tudo, a ideia de uma contraposição de interesses em situações onde os meios pacíficos de composição, de entendimento mútuo, de persuasão e convencimento racionais já se acham esgotados, restando como único e último recurso o uso da força para solução da questão e garantia da integridade geral. Quando o Direito não se expressa pelo respeito à vida; quando a Virtude do Respeito espontâneo, conquista evolutiva e moral da humanidade, se acha em falta pela violência de outrem, a última "razão" ("extrema ratio") que resta é o uso de força para restaurar a paz e preservar a integridade de quem se vê passível de ser vitimado pelo ato violento. Tal tipo de cenário somente costuma se apresentar na vida, não nos ringues ou octógonos, mas em situações de perigo real e imediato, nas quais a vida e a sobrevivência estão no centro das necessidades.

Por isso, em relação ao Kali sempre afirmamos que a luta não é valorizada, ao contrário do que ocorre com as artes onde o aspecto "competitivo" predomina. Valor real é a inexistência de conflito, a paz. Logo, no universo do Kali, inclusive no que toca ao aprendizado da luta desarmada, se aplica o princípio da finalização da contenda e não de sua prolongação, como “medição de forças” ou disputa competitiva [tão valorizada na em nossa cultura ocidental].

As Artes Marciais Filipinas não "se fizeram presentes" nos campos de batalha destacando-se como algo excepcional. Elas, de fato, faziam parte do dia a dia dos povos e das pelejas tribais nas Filipinas de outrora. E estiveram massivamente presentes em muitos conflitos contemporâneos, com muito êxito mesmo diante do predomínio do uso de armas de fogo, estas que, em distâncias curtas e corpo-a-corpo de combate (close quarters), se mostram de uso difícil e, muitas vezes, impraticável. Aqueles que lidam profissionalmente com segurança pública e privada, policiais, guardas municipais e agentes privados, além das pessoas comuns que lograram êxito numa, como é comum dizer, "luta corporal", contra indivíduo munido de arma de fogo, sabem o quanto é importante e vital desmobilizar o quanto antes o oponente. Combate significa deter uma agressão no menor tempo e com a máxima eficácia possível!

Os princípios da sobrevivência e do restabelecimento da paz prevalecem na filosofia prática do Kali. Por isso todas as técnicas, mesmo as desarmadas, sempre se apoiam numa precisa tecnologia de desmobilização rápida do atacante, com recursos [sempre] incapacitantes em vários graus. Por isso, como dito anteriormente, o estudante recebe reforços constantes, relativos ao senso de responsabilidade no aprendizado e em relação ao próprio comportamento na vida diária, que deve ser pautado pelo respeito, pelo bom entendimento e pelo reconhecimento dos valores mais altos da existência humana.

Podemos considerar o Kali uma arte marcial voltada para a defesa pessoal?

A resposta a tal pergunta não é simples, a ponto de ser satisfeita com um simples "sim" ou "não". Como deve ter ficado claro neste artigo e nos precedentes, o Kali é uma arte guerreira por excelência e, como tal, contempla em sua natureza a ideia primordial de supressão e destruição da capacidade ofensiva do atacante, seja com efeitos temporários ou permanentes, sempre segundo uma postura ou atitude positiva, isto é, de forma ativa. Sob esse ponto de vista, o atacante e seu ataque são considerados alvos. Em termos comuns, diante de uma agressão (onde seja viável uma resposta), a atitude é, basicamente, "partir para cima" e fazer cessar o ataque, utilizando o conhecimento sob a tática adequada, para anular o ataque de maneira rápida e definitiva. Logo, a ideia comum, que prevalece em torno das técnicas de "defesa pessoal", baseadas em uma atitude passiva e receptiva, onde se usa bloqueios, esquivas e contragolpes para incentivar o agressor a desistir, ou para dominá-lo, não constitui objeto de preocupação para o estudante de Kali no âmbito do K1307, que é ensinado a interagir com a imprevisibilidade do oponente de maneira adequada a assegurar ao máximo sua integridade ou daqueles a quem proteja.

Que nos perdoem os adeptos da "defesa pessoal" baseada em circuitos de estímulo-resposta condicionados mas, a bem da verdade, não se pode contar com expectativas ou "cartilhas" onde ataques e reações de defesa são descritos de forma conjugada ou como "possibilidades". O ser humano é imprevisível por excelência e, por força desse princípio, não nos parece lícito condicionar alguém a um conjunto de técnicas que prevêem ataques deste ou daquele tipo, aos quais se responde com defesas pré-fabricadas. Suponha, caro leitor, que você se torne um "expert" em defesa pessoal, que tenha estudado mil e uma formas de se desvencilhar quando agarrado e contra-atacar com este ou aquele golpe. E se o agressor surge ameaçando com fintas de faca? E se ele vem com um porrete, um facão, um soco, um chute, acompanhado de um comparsa, etc? E se..., e se..., e se...? Como fica? E se você for uma mulher? Onde está o "golpe" de chutar os genitais do estuprador? E se for um adolescente desacompanhado? Onde está o seu spray de pimenta? E se você é um daqueles indivíduos que andam "preparados", cadê sua pistola .380ACP, se o ataque literalmente cai em cima de você? Ou você ainda acha que ninguém consegue tomar sua arma? Pois é..., agressões sérias costumam ser assim, de emboscada, traiçoeiras, insanas e abruptas. Nesses momentos talvez as únicas coisas que estejam imediatamente ao seu alcance sejam suas características mentais, seu aprendizado, e sua capacidade em adaptar-se de imediato, para se valer de uma caneta, uma chave, um adorno de cabelo, suas mãos nuas... É de se esperar que a cartilha "modelo bateu-levou" de defesa pessoal entre em colapso na mesma hora, diante do susto, da imagem do oponente, ou da lâmina brilhante que dança para lá e para cá.

Em nossos círculos de treinamento não se apregoa e não se ensina "defesa pessoal". Treina-se o estudante de forma curricular, com tudo o que ele deva aprender e, na medida que isso ocorre, ele vai sendo ensinado a interagir e agir de maneira livre e criativa, adequando de imediato suas respostas aos ataques e ameaças da maneira que esses se apresentem. Ele aprende a perceber, avaliar e AGIR de maneira natural, com correção e eficácia, seja com armas propriamente ditas ou improvisadas ou desarmado, para defender a si mesmo e a outros, afastando ou pondo fim a uma agressão.

Nos círculos do Kali 1307, como já dito, prevalecem a amizade sincera, a leveza, o bom-humor, a tranquilidade e a alegria de aprender. Mas ninguém se esquece dos objetivos interiores e vitais, comprometidos com o autoconhecimento, o adestramento das emoções e do medo, o desenvolvimento da inteligência e do raciocínio, a melhoria das habilidades físicas, a cultura da Virtude e da Disciplina, o fortalecimento do caráter e o senso realista do valor da vida e da mortalidade humana. Na medida em que evolui, o ser humano passa a se defender melhor e mais conscientemente, pois tudo o que ele é vai se tornando compreensível e passível de ser submetido à própria vontade. Esses são os valores verdadeiramente ativos diante de qualquer combate, seja nos momentos críticos, em que se luta para continuar vivendo, seja diante dos inúmeros percalços e obstáculos que cada um enfrenta através da incrível jornada que é a existência humana.

Por enquanto é isso, amigo leitor. Sinta-se à vontade para comentar e nos dirigir suas dúvidas e outras sugestões que lhe vierem à mente. Teremos prazer em responder.

Forte abraço.

Até a próxima postagem.

Mabuhay!


R.Teixeira.


Leia também, clicando nos links abaixo:

Parte I - Introdução

Parte II - Como surgiram as FMA

Parte III - Como funcionam

Parte IV - As armas do Kali

Parte V - Com as mãos vazias


Parte VII - O Kali diante do mundo

Kali MG - treinamento combate faca família

Kali MG - treinamento combate faca família

Kali MG - treinamento combate faca família

Kali MG - treinamento combate faca família

Kali MG - treinamento combate faca família


quarta-feira, 4 de junho de 2014

Agora, sim! Sinal verde para Pekiti Tirsia Kali no Círculo Militar!




A partir do dia 11 de junho de 2014, conforme anunciado, começam os treinos de Kali (Sistema Pekiti Tirsia) no Círculo Militar de Belo Horizonte. As sessões serão ministradas pelo representante do PTK-Brasil para o Estado de MG, o professor Moyses Perillo de Carvalho, presidente da AMK - Associação Mineira de Kali, com auxílio de membros de sua equipe.

Para quem não conhece, "Kali" é uma das denominações que recebem as Artes Marciais Filipinas, que se distinguem das demais por serem baseadas no amplo uso de técnicas com armas, complementadas com técnicas de mãos vazias, formando muitos sistemas altamente versáteis e eficientes de artes marciais que existem. Dentre esses destaca-se o Sistema Pekiti Tirsia Kali, adotado pela AMK.

Pekiti Tirsia Kali é um dos mais eficientes e completos sistemas de artes marciais filipinas que existe. Ensinado em cerca de trinta países, ao público em geral e junto a muitas das mais respeitadas forças militares e policiais de elite do mundo, representa tecnologia de ponta em combate com lâminas e desarmado. Trata-se de mais que uma arte marcial, mas de um completo sistema cultural ("blade culture"), como bem definido pela autoridade máxima e legítimo herdeiro do Sistema, o Grand Tuhon Leo T. Gaje Jr. Pekiti Tirsia, como também definido pelo Mandala Karl Greiner, diretor do PTK-Brasil, é um Sistema de Artes Marciais Filipinas onde tudo é simples, mas que é surpreendentemente rico em possibilidades.

Pekiti Tirsia é feito para a vida, para o equilíbrio, para a saúde, para o desenvolvimento humano em seus melhores aspectos, conforme sua própria filosofia anuncia e sua vivência demonstra. E para proteção pessoal ("defesa pessoal") pouca coisa se compara em termos de praticidade, efetividade e objetividade. Simplesmente, 100% funcional!

Além dos treinos de Kali, uma novidade serão as aulas de Haidong Gumdo, arte coreana da espada, que já conta com um dedicado grupo de praticantes em BH.

Não perca!

Quartas-feiras - Círculo Militar de Belo Horizonte. Av. Raja Gabaglia 350.
  • 19:00 às 20:00 - Kali (Pekiti Tirsia)
  • 20:00 às 21:00 - Haidong Gumdo (Espada Coreana)

Sábados - Praça Santa Catarina Labouré - B. Dona Clara - BH: 
  • 08:30 às 10:30 - Kali (PekitiTirsia)
Contatos e informações:
  • Moyses Perillo - 31.9209.0091 - amkalimail@gmail.com
  • Ramon Teixeira - 31.9911.1526 - amkalimail@gmail.com